segunda-feira, abril 19, 2010

Podridão

Podridão

A minha mente...
Sofre de uma demência
Que me deixa indecente
E como humano... humano?

Neste antro de miséria
As minhas pernas... encontram-se imóveis...
Os meus braços... debatem-se contra eles mesmos
Estando revestidos de heras inexoravéis

Na minha face apática
Caminham insectos
E por vezes, quase que em atitude enfática
Pequenos anfíbios...

As minhas sobrancelhas
Foram substituídas por musgo
Na minha cabeça caem-me detritos do tecto
Devido à ruína do sanatório em que me encontro

A minha boca
Eternamente aberta
Não como se estivesse a gritar
Mas porque nunca a fechei em toda a minha vida

E por nunca a ter fechado
Me encontro aqui...
Tenho pena de não me ter conformado
Quando ainda me mexia...

Na minha boca cai-me um líquido sedante
Já nem lhe sinto o sabor
Parece que nunca provei de outra coisa sequer...
Toma-lo é como respirar... é como sentir o calor

Se bem que calor ou frio
Já nem consigo distinguir
Pois em cima de acendalhas ainda a arder
Já nada consigo sentir, já nada me pode ferir

Nem sei como me podem considerar humano
A minha coluna vertebral
Está agora envolta em líquenes...
Mas quando nas minhas pernas nascem já margaridas, qual é o mal?

Um grupo de putos medíocres
No meu quarto tomou entrada
À minha face atiraram-me pedras
Gozaram, cuspiram e no meu peito, cravaram-me uma enxada

Foi por meros milímetros
Que não me acertaram no coração
E sempre que este bate
Sinto-o tocar nas extremidades da da enxada
E dói...

As minhas lágrimas caem verdes
Tomando a cor do musgo
Que substituiu também as minhas pestanas
E as lágrimas correm-me para a boca e têm um mau sabor

Mas vejamos pelo lado positivo
Há 15 anos que não sentia nenhum sabor diferente
Mas isso é subjectivo...
Um dos garotos acertou-me com uma pedra na boca

Eu engoli a pedra
Tinha fome!
Ela continha sal que se anexou às minhas feridas interiores
E agora dói-me ainda mais...

Ouvi o que me parecia ser um bando de ladrões
A entrar no sanatório
Entraram no meu quarto
Roubaram os azulejos e um objecto valioso e marmóreo

Nada custou-me ver partir
Excepto as minhas margaridas
Parece que quase por maldade me as roubaram
Que bem que elas cheiravam

Não há necessidade de tanta malvadez

Agora cheira-me a bafio
A ausência das belas flores
Preencheram-me o buraco
Que completava a mais profunda das minhas dores

Um réptil de dimensão média aproxima-se
Fita-me com olhos de predador
Aproxima-se de mim e morde-me o escroto
Morre de seguida, tão mau é o sabor...

Um lobo entra na minha divisão
Fita-me com olhos de compreensão
Deixa-me uma nota
E uiva de aflição

Não compreendi a aflição dele... nem liguei...
Apesar de eu ser extremamente míope
Consegui ver o que estava escrito na nota
Nela estava um número, o número 3

Por mais voltas que desse à minha mente
Não conseguia entender o porquê do número
De seguida entrou no meu quarto um roedor
Pousou-se em cima do meu braço direito, e esmagou-me o úmero

Com ele trazia outra nota
E nessa nota outro número
O número 2...
Depressa percebi que se tratava de uma contagem decrescente

Doente... mas inteligente...

Por esta altura voltavam-me a crescer flores nas minhas pernas
Parecia um ramo digno de funeral
Um ancião deu entrada no meu quarto
E deixou-me uma folha de jornal

Nessa folha encontrava-se um robusto número 1
E umas heras contorceram-se no meu pescoço
Sufocando-me quando eu já não sabia que mais me doía...
No meu quarto deu entrada o que parecia ser um moço

Bem enganado eu estava, a minha vista apenas piorara
Era um anjo, metade humano metade lobo
Agrediu-me, e atirou-me para o chão
Com chamas escreveu o número 0 no meu peito

Então o telhado desabou...

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