sábado, junho 29, 2013

Conto de Encantar/Enganar

No sangue lento serpenteia
Jazigo de tamanha incerteza,
Fastio numa envenenada ceia
Ilusão de inópia de riqueza,
Semblante roxo de sufoco
Desejo ardente de corpo,
Ecoa o crânio que é ôco
Rejeição odiosa num sopro,
A perfeição eu usurpo
Num divã de falsa memória,
Que arduamente deturpo
Perante a bruma da história,
Sacralidade do secreto
Num manto ritualístico,
Fractura exposta num feto
De impudor nojo eucarístico,
Reverbera a paixão
Numa tentativa do místico,
Desmascarar em inconclusão,
Porque o sincero desejo
Minar a felicidade humana,
Na procura do teu beijo
Pereça na ignorância insana,
Pois na incerteza de existir
Se viver é alucinar
Que alucine a resistir,
À força dos cultos e contos de enganar,
Num sentir de querer algo carnal
Em apreciação da verosímil realidade
Num respeito que é quase canibal
Tomo-te na tua tez clara em rejeição de qualquer outra verdade,
Respeitando um único culto nesta dimensão
Que é cuidar das mãos onde guardei o meu coração.

domingo, junho 16, 2013

Ódio a Deus

Acéfala crença divina
Arruína a minha história,
A humilhação cretina
Atrocidade, a glória,
Odeio o criador
Trono de imundície,
Falso eterno amor
Ornamentos de tortura
Vómito vem à superfície,
Acreditar pelo terror.

Aprender a temer Deus
Em palavras manipuladoras,
Catedrais são os liceus
Formam almas pecadoras,
Leccionam o bem, mal
E causam-me nojo,
Numa hipocrisia carnal
Aceito a hóstia
Peregrino de rojo,
E mastigo-a como um animal.

Apodrece no meu estômago ateu
A meretriz eucarístia,
Que ao tragar infame me doeu
Pois quanto mais me iluminava,
Mais eu desistia
Porque a sinapse correcta
Lustrosamente me mostrava,
Que se existe o Grande
É para ser odiado!
Porque em reivindicações
De carícias na glande,
Não vejo prostrado
Em sumptuosas instituições,
A felicidade e a esperança
E não é a cegueira
Porque à minha beira,
Num suplício passo de dança,
Vejo o sofrimento a persistir
Deus é para ser odiado enquanto eu existir.

quarta-feira, junho 05, 2013

Receptor de Projécteis

Despedaçado nos solos da Normandia
Conheço silêncio após o caos sonoro
E quanto mais ruído de artilharia
Mais pelo cessar da guerra eu imploro
Posição errada no campo de batalha
Olhos beligerantes postos em mim
Arsenal manuseado cujo som atrapalha
Orquestrando o meu inglorioso fim
E numa ingrata fracção de segundo
A intenção maldosa do lado oposto
Faz a bala cravejar tão profundo
Porque é que deixei o meu posto?
E o metal frio que a máquina fez projéctil
Torna-se quente expondo meu sangue
A minha “coragem” de soldado foi inútil
Imagens aparecem em efeito bumerangue
As mãos onde nasceu o arremesso
São o triste consumar da minha morte
E sinto tão pesado e tão espesso
O meu infortúnio a minha sorte
E quando o meu corpo então cede
E conhece o chão onde se pousa
Uma infame mina como que pede
O meu cadáver que jamais repousa
E tendo sido ainda capaz de ouvir
Para culminar num estrondoso horror
Os pedaços do meu corpo a fluir
Livremente pelo espaço em redor
Como tão livres são feitos os mercados
Controlados pela burguesia com as suas putas
Que fazem de nós meninos de recados
Cujo serviço é fatal nestas lutas
Porque neste planeta nada mais importa
Do que a protecção do liberalismo económico
Que tão cruelmente e insensível exorta
Batalhões varridos a ritmo supersónico
E não há Deus aqui que me ajude
Tudo é um profundo e negro sono
Como nunca tive e que nesta bruma alude
À conquista de um indisputável trono
Que nem os capitais podem recuperar
Que me putrefaça em paz sem corrupção
A minha morte ninguém pode privatizar
Neste mundo morrendo sem compaixão
Estrume orgânico é a minha dimensão
Química complexa sou só mais uma baixa
Consciência, alma é tudo uma ilusão
E no meu funeral o general recebe a sua faixa.