quarta-feira, junho 05, 2013

Receptor de Projécteis

Despedaçado nos solos da Normandia
Conheço silêncio após o caos sonoro
E quanto mais ruído de artilharia
Mais pelo cessar da guerra eu imploro
Posição errada no campo de batalha
Olhos beligerantes postos em mim
Arsenal manuseado cujo som atrapalha
Orquestrando o meu inglorioso fim
E numa ingrata fracção de segundo
A intenção maldosa do lado oposto
Faz a bala cravejar tão profundo
Porque é que deixei o meu posto?
E o metal frio que a máquina fez projéctil
Torna-se quente expondo meu sangue
A minha “coragem” de soldado foi inútil
Imagens aparecem em efeito bumerangue
As mãos onde nasceu o arremesso
São o triste consumar da minha morte
E sinto tão pesado e tão espesso
O meu infortúnio a minha sorte
E quando o meu corpo então cede
E conhece o chão onde se pousa
Uma infame mina como que pede
O meu cadáver que jamais repousa
E tendo sido ainda capaz de ouvir
Para culminar num estrondoso horror
Os pedaços do meu corpo a fluir
Livremente pelo espaço em redor
Como tão livres são feitos os mercados
Controlados pela burguesia com as suas putas
Que fazem de nós meninos de recados
Cujo serviço é fatal nestas lutas
Porque neste planeta nada mais importa
Do que a protecção do liberalismo económico
Que tão cruelmente e insensível exorta
Batalhões varridos a ritmo supersónico
E não há Deus aqui que me ajude
Tudo é um profundo e negro sono
Como nunca tive e que nesta bruma alude
À conquista de um indisputável trono
Que nem os capitais podem recuperar
Que me putrefaça em paz sem corrupção
A minha morte ninguém pode privatizar
Neste mundo morrendo sem compaixão
Estrume orgânico é a minha dimensão
Química complexa sou só mais uma baixa
Consciência, alma é tudo uma ilusão
E no meu funeral o general recebe a sua faixa.

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